Um livro descoberto | Proposta de Artigo | Influência no artigo do Público do dia 22 de Março de 2014 | Página 46
Posso afirmar realmente que sem a existência de livrarias ou de um determinado impulso para o conhecimento, o ser humano não passava de um simples ser vivo, de uma “besta sadia”, ou mesmo de um “cadáver adiado que procria”, tal como Fernando Pessoa refere na sua obra “Mensagem”.
Uma das principais qualidades do ser humano é a curiosidade, o desejo de se transcender que , mesmo por vezes encobertos, permanecem no seu interior. Estas características comuns na sociedade não são aproveitadas igualmente por todos nós. Tal como muitas vezes é referido, “Todos diferentes, todos iguais.” , uma vez que temos formas diferentes de suscitar a nossa curiosidade.
É através de diferentes experiências que evoluímos e nos alteramos, considero que tudo o que é bom nunca é esperado. E foi assim que num dia de inverno ao deambular por Alfama fui envolvida por um fantástico momento de espanto. Pretendia encontra um Almanaque de Sebastião Rodrigues, função bastante difícil de cumprir na actualidade. Entrei então num alfarrabista.
Era um local curioso e interessante, rapidamente me apaixonei pelo cheiro daquele espaço, pelas ínfimas dimensões que o integram e pela variedade de livros singulares que perduravam naquele lugar. Os preços eram baixíssimos, devido à falta de público alvo deste tipo de livros. Eram todos distintos, os grafismos variavam sem qualquer semelhança, pelo menos visível.
Foi então neste lugar que, sem qualquer intenção, senti-me imediatamente atraída visualmente por um dos infinitos livros que o completam.
Com capa dura amarela integra uma gravura na sua capa, considero que foi a sua simplicidade exterior que me despertou curiosidade. Aproximei-me e verifiquei que se tratava da conhecida história “Alice in Wonderland”. Folhei-o como se um tesouro presenciasse o seu interior, e nesse mesmo momento o instinto de me aproximar integrou-se na minha própria riqueza interior. Trata-se de um livro espetacular, aparentemente um conjunto de páginas onde nenhuma outra cor, se não o branco e preto, teria o seu lugar. Porém, foi numa observação mais atenta que o tal instante anteriormente referido se construiu.
Não se trata de um livro simples e escrito de acordo com a língua inglesa. No seu interior de 255 páginas. três são coladas posteriormente como se tivessem sido conjugadas com o resto do miolo do livro numa fase diferente da da própria criação do objecto. Estas três páginas foram concebidas através de cores, digamos, berrantes, fortes e alegres, tal como amarelo, magenta e azul esverdeado, transmitindo a fantasia da própria história através de cada uma das ilustrações. Para além destas imagens concebidas evidentemente através de tintas e técnicas variadas de pincel, o livro no seu todo possui outras ilustrações, no entanto tal como a capa, apenas integram o preto, como cor principal, e são feitos através de gravura.
Neste seguimento, depois de alguns minutos eternos de inquietação decidi perguntar o seu preço. O vendedor feliz por ver alguém de idade tão exígua, como referiu, interessada num dos seus livros e por não possuir grande quantidade de compradores, vendeu-me a três euros um livro tão admirável. Esta atitude motivou e prolongou o tal instante de espanto, de fascinação. Estava ansiosa por começar a lê-lo, por ingressar na imaginação do autor e no interior das suas ilustrações, que ao serem poucas, aparentam ainda atrair mais o leitor à sua leitura e interpretação.
Sai daquele lugar com este guardado no meu interior. Nunca me irei esquecer daquele espaço invulgar e tão improvável, da desorganização e da imensa quantidade de livros que permanecem anos e anos por explorar. Sai com uma imensa vontade de regressar e sei que um dia o farei, basta tentar reviver aquele momento improvável de deambulação que irei lá chegar.
No que concerne o livro vou ser sincera, nunca o li por completo, não por desejo mas também por questões de tempo, pelo facto da nossa sociedade permanecer nas amarras de horários infindos. Contudo, a admiração e curiosidade pelo mesmo mantém-se crescente todos os dias que o atento na minha prateleira. Página a página chegarei ao final e compreenderei se o meu interesse pelo mesmo naquele alfarrabista pode ser justificado.
Um livro é algo indispensável no meu dia a dia, é um portal para o conhecimento, para o meu próprio crescimento enquanto cidadã deste mundo. Após a leitura de qualquer livro, sinto que de determinada maneira evolui e mudei. Vou alterando assim aos poucos a minha perspectiva da vida, considerando que através de uma leitura qualquer o meu ser interior vai se alterando, mais concretamente crescendo.