O meu Não-Lugar, Terminal Fluvial de Cais do Sodré- 2ª fase do projeto BLIND DATE

13-10-2013 16:26

 

O meu Não-Lugar, Terminal Fluvial de Cais do Sodré

 

Ao refletir e pesquisar sobre o que poderá ser o meu local, compreendi que se trata de um Não-Lugar, que se define não pela sua identidade em si mas pelas pessoas que o frequentam e o transformam constantemente. Contudo, esta definição só é imposta ao Terminal Fluvial de Cais de Sodré através da sua estrutura e das pessoas que por lá passam e o transformam num espaço simbólico, que representa determinados obstáculos para o ser humano contemporâneo e é utilizado como um meio para alcançar um fim, a chegada a um determinado sítio.

 Neste sentido, podemos concordar com o autor do livro “Não-lugares” Marc Augé , que vive numa constante procura de um certo elemento que dê lógica à relação entre os espaços e a sociedade atual. Este refere que “Os não lugares são o oposto dos lugares antropológicos.” , sendo caracterizados por ser não só simbólicos como espaços com identidade, história e relações constantes com o envolvente.

No meu Não-Lugar está presente uma certa sobremodernidade (conceito definido por Marc Augé) , onde está presente o espelho da atualidade. A sociedade contemporânea é constituída por uma extrema velocidade e consumo que é algo objectivado como um fim. Tal como no Terminal Fluvial Cais do Sodré, onde esta sobremodernidade me transmite desconforto e me aterroriza a alma,  colocando um fim ao único instante em que permaneço tranquila. Nestes momentos de agitação o meu local transforma-se num Não-Lugar, onde neste espaço físico os seres frenéticos que se assemelham a formigas mecanizadas ultrapassam o próprio local antropológico transformando-se em atores sociais que se relacionam com o Terminal. No desenrolar deste momento, o espaço concreto deixa de ter qualquer importância, o presente apenas possui sentido devido a um objectivo que irá ser cumprido futuramente.

Neste sentido, compreendo perfeitamente o argumento de Marc Augé, identificando-o com os seres que frequentam o meu Não-lugar, caracterizando este tipo de locais como “espaços onde coexistimos ou coabitamos sem vivermos juntos, onde o estatuto de consumidor ou de passageiro solitário passa por uma relação contratual com a sociedade. Estes não-lugares empíricos (e as atitudes de espírito, as relações com o mundo que suscitam) são características do estado de sobremodernidade definido por oposição à modernidade.”

Contudo, apesar de concluir que o meu local constitui-se num Não-Lugar, reflito e exploro as sensações que este me transmite. É um espaço onde me sinto liberta de tudo, sinto que me transporto para o rio Tejo como marinheira e observo a profunda beleza do rio que me envolve, que me transporta ao passado.  Identifico-me deste modo,  com o pensamento do pescador José Matos.  Este homem simples e humilde, revela-me a sua experiência de vida, referindo que  sente que nada tem a ver com os seres agitados, que  tornam  este espaço num local que transborda sobremodernidade e  urgência de rapidez. Este pescador, conta-me histórias e demonstra-me o motivo por permanecer naquele local “Todos os dias, desde o um até ao último”, como refere,  assumindo que aquele espaço o transporta para as suas memórias passadas de quando vivia no Mar. Não deseja ter conhecimento de qualquer confusão ou preocupação dos outros que se comportam em oposição a ele, só quer saber de si e do seu conforto. Ignora  toda a agitação, levando os dias a contemplar o mar, como se o tempo parasse num determinado momento para sempre e voltasse ao passado que tantas saudades lhe provoca. Vive um momento de espanto e sossego permanente... E , através da minha perspectiva de narratário, sinto uma determinada inveja, porém acompanhada de uma imensa condolência pelo próprio lamento deste pescador que refere: “É por isso que aqui estou, não tenho mais nenhum loca para ir.. sem o mar já não sou ninguém neste Mundo.”