Exploração do espaço através de diferentes formas de o viver- 2ª fase do projeto BLIND DATE

13-10-2013 16:46

 

As vivências distintas...

 

E ao situar-me neste local  que já me pertence, conseguindo alcançá-lo e visualizá-lo através do pensamento, encontro as diversas vivências e utilizações deste espaço...

Finalmente, encontro algumas respostas à minha questão ,que anteriormente era constante,  em que me interrogava se existiria alguém naquele local que o sentisse como eu. Que o transformasse num instante importante no seu dia a dia, num momento em que a fantasia e o espanto se apoderam do corpo e da alma tão intensamente que o tempo deixa de ter importância e as preocupações deixam de fazer sentido.

Neste sentido, como já referi, decidi tentar comunicar e dialogar com pessoas distintas.

Em primeiro lugar, elegi o pescador que permanece no Terminal Fluvial de Cais do Sodré há já sete anos. José Matos atribui alma a este espaço onde os seus sentimentos e pensamentos transbordam e enriquecem a minha descoberta por este Não-Lugar.

José Matos, senhor de 72 anos bastante humilde, que apesar de também viver o Terminal Fluvial de Cais do Sodré intensamente,  tem uma visão do local bastante diferente da minha .  Este ao dialogar comigo, revela que simplesmente permanece neste espaço todos os dias do ano, devido às saudades que sente por outrora quando era “dono do mar” e vivia no mesmo. O pescador refere que não se sente desconfortável perante a confusão que transforma este lugar num Não-Lugar, onde as “formigas frenéticas” não param.

Consecutivamente, decidi comunicar com uma senhora que permanecia no Terminal à espera do barco e outra que o abandonava apressadamente.

Neste sentido, a única que disponibilizou o seu tempo foi a primeira referida, que assumiu que a principal razão pela qual utilizava diariamente estes transportes era devido ao “jeito” sendo que “é o transporte mais económico que posso apanhar para o trabalho.” Posteriormente,  perguntei se esta personagem, não se sentia agitada perante a confusão permanente neste local e o stress dos outros seres que a rodeiam. Deste modo, respondeu-me que esta confusão “Não me agita, já faz parte de uma rotina, vou tranquila no barco, tenho um dia a dia para cumprir.” Porém admite que “Há muita confusão as pessoas stressam rapidamente, até as crianças vivem num stress horrível.”, referindo que “Para mim stress é só no trabalho, quando chego lá é que existe stress, de resto tenho de manter a minha tranquilidade para sobreviver ao meu dia a dia. ”.

E assim, compreendo a oposição de experiências e de formas de viver inerentes a este espaço. Sou tão diferente de todas que me sinto um ser à parte. Porém identifico-me em alguns ideais com o pescador. José assemelha-se ao meu ser que se encontra ainda por descobrir, ao viver este espaço intensamente, tornando-o quase num lugar , substituindo a sua essência de não-lugar. Tal como eu, observa o local e relembra o passado, visualizando memórias que lhe causam nostalgia e que o emocionam.

 No meu caso, sinto saudades da minha infância, quando todos os meus avós se encontravam presentes na minha vida e me contavam histórias de quando iam para a guerra em grandes barcos durante anos, ou mesmo quando velejavam e ai eu os podia acompanhar, pescando e vivendo este rio Tejo através de um preciso e fantástico momento, que por sua vez acabou devido ao abandono da vida de todas estas figuras que me deixaram saudades. E assim sinto uma insistente nostalgia destes tempos, onde as preocupações eram inexistentes , e as simples histórias e narrativas que contavam através do Tejo me tornavam feliz. É deste modo, que sinto intensamente este espaço, onde fantasio e relembro momentos, tornando este local num instante de espanto e nostalgia, onde o tempo deixa de ter importância novamente.

Por sua vez, José contempla intensamente as memórias provocadas pelo olhar distante deste rio, possuindo uma imensa saudade do passado de quando vivia no mar e dos seus companheiros que constituíam a sua família. Quando olho para este indivíduo que me transmite segurança acompanhada de um instinto de sobrevivência perante o mundo envolvente, relembro os meus avós que tanto lutaram e contemplaram o Tejo, constituindo uma parte do meu ser que permanece neste mundo.

Contudo, quando este refere que a agitação dos outros seres não o atormenta e quando a senhora, que pertence à confusão inerente a este espaço, revela que não sente stress e que este local simplesmente faz parte da sua rotina, compreendo a oposição entre a minha identidade e os seres que pertencem à dualidade do Terminal.  Observo que sou a única que considero que a chegada do barco e das pessoas apressadas agridem a verdadeira essência deste local. Irritam-me, transformam-me e tornam-me novamente dependente de todas as responsabilidades e do tempo finito desta cidade. Desejo que estes partam para a minha alma voltar à sua verdadeira tranquilidade, que a partir de hoje é acompanhada por um novo companheiro, o pescador José Matos.