Dossier de Exploração- 3º Fase Tangencia(i)s- A sala

13-11-2013 23:09

A Sala- Síntese das ideias e memórias descritas presentes no Caderno de Escrita

 

Depois de uma vasta reflexão sobre o meu regresso, compreendo que o meu olhar encontra-se diferente e mais atento. É ao reviver memórias passadas que dois momentos são impostos no meu ser: a afetividade e nostalgia, que me abraçam, e a racionalidade e reflexão ,que consigo retirar do passado e do ser humano que me tornei.

É ao abandonar o quarto e colocar-me na sala que se torna ainda mais evidente a falta de tranquilidade deste meu lar, motivada pelas discussões, diálogos em voz alta e a extrema utilização de energia neste espaço.

Esta sala, que antes era o lugar que mais frequentava e o espaço onde o meu conforto era constante. Contudo, ao regressar este bem-estar é agredido pelas diversas pessoas que integram a minha família, o meu lar. É neste sentido que observo novamente a dualidade do espaço que encontrei através da anterior viagem lisboeta que realizei, sendo que o “instante decisivo” de tranquilidade só é possível, agora que voltei,  no meu quarto.

Deste modo, inicio novamente um processo de observação dos objetos, das distintas pessoas que permanecem na sala e finalmente, das paredes que delimitam este espaço.

Ao atentar as formas que completam uma das paredes desta divisão da casa, compreendo a minha solidão  e distinção no que concerne aos outros indivíduos que perduram na sala. É neste processo que sinto uma imensa inquietude e desconforto, sentindo-me o único ser necessitado de serenidade. Analiso os diversos comportamentos e histerismos, e parece que observo novamente as formigas frenéticas que anteriormente me agrediram.

No entanto, compreendo o motivo do meu desassossego ao aperceber-me que apenas distante e externa, como as diversas formas referidas anteriormente, deixo de ser igual a estes seres. Apenas sozinha e diferente sou capaz de obter a plenitude da calma, mantendo-me num ser observador que apesar de único e só permanece acompanhado noutra dimensão.

 Deste forma, inicio novamente um olhar mais atento sob o espaço que me envolve, visualizando os diversos álbuns que permanecem nas prateleiras deste local. Todos estes objetos caracterizam-se pela imensa nostalgia e emoção que me provocam, permanecendo carregados de fotografias de momentos inesquecíveis que enriquecem o conhecimento da minha individualidade.

Neste seguimento, reparo num álbum que há bastante tempo que não observo.. Regresso ao Porto, à minha despedida do mesmo, às promessas e expectativas criadas de uma amizade eterna. Foi neste acontecimento, que me foi dado esta peça já carregada de uma imensa afetividade e de algumas fotografias, pela minha professora do ensino básico e pelas cinco amizades que lá foram criadas.

Fiquei dois anos sem lá voltar, contudo o meu regresso foi provocado por algo que ainda hoje me atormenta a alma e a memória...

Tinha onze anos e era dia 18 de janeiro, quinta-feira. Recordo-me como se tivesse sido ontem . Localizava-me na sala da minha casa de Sintra quando recebi uma mensagem pura e dura, que afirmava que a minha melhor amiga tinha falecido com leucemia. Foi a primeira vez que encarei a morte com tanta brutalidade... A partir desse dia iniciei a escrever frequentemente em diários, questionando pela primeira vez a vida e a consistência da morte.  Comecei um processo  de interrogação sobre as injustiças da vida, deixando de possuir qualquer crença por Deus e de acreditar em milagres. Foi bastante jovem que me apercebi que todos somos sobreviventes do mundo que nos rodeia e que temos de lutar pela nossa existência.

Neste sentido, recordo o livro “As Pequenas Memórias” novamente, quando Saramago narra a partida de um grande amigo seu e refere que para este “Os anos dourados da infância tinham acabado.” Para Marta também...

Compreendo deste modo, que apesar do sentimento de injustiça que ainda hoje me persegue, tenho de seguir em frente, sendo que tal como Saramago afirma “a gente não pode levar a vida a chorar pelos mortos.”

Neste momento, ao relembrar esta minha lembrança passada já não sinto uma imensa tristeza mas sim uma infinda saudade, tentando imortalizar todos estas pessoas que me abandonaram e de certa forma me influenciam ainda hoje no desvendar do que sou.

Abandono as minhas recordações e observo a planta com uma elevada altura que se incorpora na sala. Anteriormente, nunca tinha reparado neste ser vivo, nunca me tinha apercebido ou lembrado da sua presença constante no meu desenvolvimento quanto ser humano. Pela primeira vez identifico-me com este ser vivo, com esta simples planta que se desenvolveu paralela ao meu crescimento e que tal como eu(atualmente),  é acompanhada por indivíduos frequentadores deste espaço. Contudo, mantem-se externa à confusão, isolada de toda a tormenta que a envolve.

Em suma, ao presenciar a sala, torna-se mais evidente a sua agitação e a minha necessidade de me distanciar da mesma. Apenas sou capaz de refletir e relembrar memórias através deste espaço, quando o mesmo se encontra vazio,  quando os indivíduos que o frequentam se ausentam. Contudo, quando estes meus familiares regressam e ocupam este lugar,  não consigo viajar ao outrora. Apenas sou capaz de manter a minha nova atitude de observação e curiosidade, criticando determinadas atitudes e situações adversas.