Analogia do meu espaço e momento de espanto com o poema de Álvaro de Campos, "Ode Marítima"- 2ª fase do projeto BLIND DATE

14-10-2013 00:34

“Ode Marítima”, excertos do poema de Álvaro de Campos

 

“Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É - sinto-o em mim como o meu sangue -
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui...”

 

“Cais negramente reflectido nas águas paradas,
Bulício a bordo dos navios,
Ó alma errante e instável da gente que anda embarcada,
Da gente simbólica que passa e com quem nada dura,
Que quando o navio volta ao porto
Há sempre qualquer alteração a bordo!”

 

“Gostaria de ter outra vez ao pé da minha vista só veleiros e barcos de madeira,
De não saber doutra vida marítima que a antiga vida dos mares!
Porque os mares antigos são a Distância Absoluta,
O Puro Longe, liberto do peso do Actual...
E ah, como aqui tudo me lembra essa vida melhor,
Esses mares, maiores, porque se navegava mais devagar.
Esses mares, misteriosos, porque se sabia menos deles.”

 

No poema “Ode Marítima” do heterónimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, descubro uma evidente relação com o meu sentimento de desconforto perante a chegada dos barcos ao Cais. Local em que a agitação se impõe e me agride, e onde as pessoas passam sem dar qualquer atenção à beleza que as rodeia.

Ao ler estas estrofes, os meus sentimentos de saudade pelo outrora revelam-se, onde tudo era feito com uma necessidade menos intensa da rapidez que caracteriza a sobremodernidade atual (conceito criado por Marc Augé).