2ª fase do projeto BLIND DATE- Procura de outras vivências do local, conversa com pescador José Matos.

10-10-2013 02:26

Na 2ª fase do Dossier de Exploração, decidi começar por explorar melhor o meu espaço, procurando conhecer não só experiências e sensações que o local me provoca, mas também investigar outras vivências de pessoas que também frequentam aquele local.

Desde o início deste projeto, que ao olhar para o meu espaço como algo mítico, que me transporta para outra realidade, comecei a interrogar-me se seria a única a vivênciar aquele local com tanta intensidade.. Se.. apenas eu sentia a tranquilidade que o rio oferece, a beleza  que o movimento da água transmite e o bailado que o vento nos permite contemplar...

Questionei-me bastante, e constitui a necessidade de descobrir se haveria alguém que partilhasse a mesma visão que eu, a mesma necessidade de voltar aquele "instante decisivo" pelo qual me apaixonei e envolvi através da minha alma.

Este espaço transformou-me. Proporcionou-me a capacidade de procurar revelar algo novo, de desejar descobrir outra realidade para além da que me preenche o meu dia a dia, e de viagar a uma nostalgia da infância que me emociona. 

E foi assim... Neste seguimento, que resolvi ir falar com o tal pescador que já tinha observado desde o primeiro momento em que visitei o Terminal Fluvial de Cais do Sodré, não com o meu olhar mas sim através dos meus pensamentos. Onde compreendi a fantástica frase do grande poeta Fernando Pessoa..."O pensamento é cego, mas sabe o que é ver."

Consecutivamente, comecei por questionar ao pescador José Matos de 72 anos, o porquê de permanecer diariamente naquele local? Respondendo-me: "Para onde vou? Não tenho mais nada.""Não quero ver mais nada sem ser o mar."

Neste desenrolar do momento, decido interrogar-lhe o que sente quando os barcos chegam? Se a confusão e agitação não lhe provocam qualquer desconforto? Se, tal como eu, não se irrita com a corrida constante das pessoas que permanecem nas amarras do tempo?

Contudo, por grande espanto meu, José revela que não sente "Nada! Simplesmente gosto de estar aqui por estar.""Só quero saber de mim, quem estiver mal esta mal, quem estiver bem está bem. Ora eu, olha... aqui passo o tempo, todos os dias estou aqui. Sou filho desta Casa." Fico surpreendida, inquieta com esta resposta. Apercebo-me da sua vida simples e humilde. José não possui qualquer preocupação, questionando-me até porque é que haveria de possuir preocupações se nada tem, apenas possui o Mar, que o transporta para memórias passadas. Quando trabalhava e vivia todo o ano no mar, visitando a sua família de quinze em quinze dias apenas por dois dias. Este pescador conta-me o seu passado, as suas próprias narrativas, referindo como metáfora as gaivotas que quando observavam um navio em alto mar são rapidamente atraidas pelo mesmo, tal como José e os seus companheiro que quando chegavam à cidade o que mais desejavam era reencontrar a família. Porém, constata que ele e os seus companheiros de trabalho completavam uma família de doze homens, e que se esqueciam de tudo o que se passava na cidade, abandonando as memórias que tinham da mesma, pois "estava noutro Mundo."

José, caracteriza o Terminal como o "meu lugar", referindo que permanece neste espaço "Todos os dias, desde o um até ao último, todo o ano aqui.""Aqui estou. Aqui vivo.""Não há coisa melhor que isto. O Mar.""O Mar para mim é tudo no mundo, vivi sempre no mar."

Ao retratar as suas memórias e as suas saudades pelos tempos passados, emociona-se dizendo-me : "vivi a coisa mais bonita deste mundo,quando fui embarcado... Deixei o mar à sete anos.""Vida melhor é o Mar.""Era assim a nossa vida, assim se passou, assim se viveu."

José conta-me as suas viagens, as suas experiências naquele rio que nos impõe a sua presença, estando constantemente a referir que o Mar é outro Mundo; "É o Mundo com uma liberdade grande."

Porém, tal como no meu caso, quando o barco chega e as formigas frenéticas são expulsas do mesmo. E sinto o fim da tranquilidade e liberdade que o espaço me oferece, constituindo-se apenas por um instante. O pescador, refere que a liberdade que sentia e a relevância do tempo que se tornava infinito enquanto este permanecia na água, desaparecia quando atracava no Cais. Conclui deste modo, que "Dias para a gente não são dias, não têm horas ." Refere então, que em oposição a si e á suas memórias "Estes é que contam as horas que têm de sair e ir para casa, a gente ali não tem horas." Noto o seu sentimento de distância entre o seu ser, e o relembrar do passado através do local com os outros, os "Estes" referidos anteriormente. Outros que são apenas seres agitados que possuem preocupações, e não param  num local para interrogar o mundo. Estes animais racionais, que devem possuir uma formação, um trabalho e responsabilidades, agem como máquinas automatizadas. Estes opôem-se a José, que magoado, sendo as suas moletas as suas "comadres" como refere, permanece numa constante calma contemplando o mar diáriamente. O meu "instante decisivo" parece que passa a ser para José o seu quotidiano que permanece na sua vida já há sete anos.

Vive a vida simplesmente, observando... Porém, não se questiona nem interroga, pois só quer saber de si e do Mar, envolvendo o seu corpo e alma com aquele espaço todos os dias sem se importar com agitação ou preocupações.

Por fim, observa o rio e diz "O Mar é um Mundo", "é cego como o pensamento", "O Mar para mim é como Lisboa é para ti."